Senado analisa proposta que une voto em lista fechada com voto distrital

Ivan de Colombo

A reforma política que o Senado espera promover ainda neste ano pode misturar dois modelos de sistema eleitoral: o voto em lista fechada, defendido pelo presidente da Casa, Eunício Oliveira, e o voto distrital, encampado por vários senadores. A mudança está prevista na PEC 61/2007, que a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) já pode votar.

A PEC institui o sistema chamado de proporcional misto para a Câmara dos Deputados, que mistura características da lista fechada — em que o eleitor vota apenas em um partido, e os candidatos são eleitos a partir de listas partidárias pré-definidas — e do modelo distrital —, em que os estados são repartidos em distritos e cada distrito elege um representante, numa disputa majoritária.

Nesse sistema misto, os eleitores teriam direito a dois votos para a Câmara: um para o candidato específico do seu distrito e outro para um partido de sua escolha. Metade dos deputados de cada estado viria das disputas nos distritos, e a outra metade sairia das listas partidárias. Neste último caso, o que decidiria os vencedores seria a votação proporcional de cada partido.

Na última segunda-feira (20), ao participar da abertura do Seminário Internacional sobre Sistemas Eleitorais realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o presidente do Senado, Eunício Oliveira afirmou que o Congresso Nacional “está pronto” para o debate sobre uma reforma eleitoral profunda. Eunício tem trabalhado junto ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para aprovar novas regras até setembro, de modo que elas já possam entrar em vigor nas eleições gerais do próximo ano.

Benefícios

Na realidade, trata-se de três propostas. À PEC 61/2007, de Antonio Carlos Valadares (PSB-SE), foram apensadas a PEC 90/2011, do agora ministro das Relações Exteriores Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), e a PEC 9/2015, de Reguffe (sem partido-DF). As três estão sob a relatoria de Valdir Raupp (PMDB-RO), que elaborou um texto substitutivo consolidando todas as ideias.

Para Raupp, o sistema misto teria dois benefícios: tornaria as campanhas mais baratas, uma vez que a instituição dos distritos significa que os candidatos precisam fazer campanha em áreas menores; e fortaleceria os partidos, eliminando a competição interna ao consolidar os candidatos em uma lista pré-ordenada.

Distritos

O sistema misto exige que cada estado da Federação, e também o Distrito Federal, seja repartido em um número de distritos eleitorais equivalente à metade da sua representação na Câmara dos Deputados, arredondada para cima. Por exemplo, o DF, com oito deputados federais, teria quatro distritos. Já a Bahia, que tem 39 deputados, seria dividida em 20 distritos.

Essa divisão seria responsabilidade do TSE, que editaria resoluções no ano anterior a cada eleição com a configuração distrital de cada estado. Dentro de uma mesma unidade da Federação, os distritos devem repartir a população da forma mais igualitária possível, de modo que a diferença entre eles nunca ultrapasse 10%.

Em cada distrito, cada partido poderia lançar um único candidato, sendo proibida a coligação. Os eleitores daquele distrito destinariam um voto ao candidato de sua predileção nesta disputa. O candidato mais votado da corrida eleitoral de cada distrito estaria automaticamente eleito para a Câmara dos Deputados. Dessa forma, estaria preenchida a metade da representação federal de cada estado.

Lista

O segundo voto de cada eleitor seria dado a um partido de sua escolha. Antes da eleição, cada partido elaboraria uma lista de seus candidatos para cada estado, em ordem pré-estabelecida. Essa lista pode conter, inclusive, os candidatos que concorram em disputas distritais. Também seria vedada a coligação entre partidos nesta modalidade.

Todos os votos destinados às listas partidárias seriam compilados para estabelecer a proporção de cadeiras a que cada legenda teria direito. Um partido com 10% dos votos em um determinado estado ocuparia 10% da bancada daquele estado na Câmara dos Deputados. Essa proporção, porém, já consideraria os deputados eleitos a partir das disputas distritais

A partir desse cálculo é que seria feito o preenchimento da segunda metade das cadeiras de cada estado. Excetuados os seus candidatos vitoriosos nos distritos, os partidos preencheriam o restante das cadeiras a que têm direito com nomes da sua lista, selecionando-os na ordem pré-definida.

Vagas extras

O sistema misto proposto reconhece a possibilidade de que um partido conquistar, nos distritos, uma quantidade de deputados maior do que a que teria direito conforme a sua votação proporcional. Neste caso, todos os deputados eleitos nos distritos teriam seus mandatos assegurados, mas o partido em questão não elege ninguém da sua lista.

No entanto, todos os outros partidos também teriam a sua representação proporcional assegurada, além dos seus próprios representantes eleitos nos distritos. A consequência disso é que o estado onde este cenário acontecesse ganharia representantes a mais.

Por exemplo: caso um partido vencesse em dois distritos de um estado, porém obtivesse quantidade de votos na sua lista suficiente para apenas um deputado, ele garantiria os seus dois representantes e não elegeria nenhum dos demais membros da sua lista. O estado em questão teria um deputado a mais na sua bancada durante aquela legislatura.

Isso significa que, no sistema misto, há a possibilidade de a Câmara dos Deputados ter mais do que o máximo de 513 membros em uma determinada legislatura.

No entanto, haveria um problema para o caso brasileiro, uma vez que a Constituição estabelece que nenhum estado pode ter mais de 70 deputados na Câmara (número só alcançado hoje por São Paulo). Cenários de vagas extras poderiam levar esse total a ser ultrapassado, o que provocaria uma inconstitucionalidade.

Por isso o senador Valdir Raupp solicitou a retirada temporária da PEC 61/2007 da pauta da CCJ para que sejam feitos ajustes no relatório. A assessoria do senador estima que o novo texto esteja pronto em uma semana. Ao ser devolvido à CCJ, ele voltará imediatamente à pauta.

Suplentes

A transição para o sistema misto também acarretaria algumas mudanças nas regras de suplência da Câmara. Os deputados eleitos pela lista partidária seriam substituídos, em caso de licença ou vacância do mandato, pelos nomes subsequentes na própria lista, na ordem especificada. Já os deputados eleitos através de vitória nos distritos seriam substituídos por nomes da lista apenas na hipótese de a vaga surgir no seis meses anteriores à eleição regular programada.

Caso a cadeira de um deputado eleito pela modalidade distrital fique disponível em qualquer momento antes do último semestre da legislatura, seria realizada uma eleição suplementar apenas para o preenchimento dessa vaga.

Abrangência

De acordo com a PEC 61/2007, o sistema misto seria adotado apenas no nível federal, nas eleições para a Câmara dos Deputados. Os pleitos para os legislativos estaduais e municipais continuariam iguais.

Outros seis países atualmente adotam esse sistema para algumas ou todas as suas eleições legislativas: Alemanha, Bolívia, Escócia, Lesoto, Nova Zelândia e País de Gales.

Recepção

O presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado, Edison Lobão (PMDB-MA), é um dos incentivadores da adoção do sistema misto. Durante debate no Plenário, na terça-feira (21), ele relatou que, em 1976, passou um mês na Alemanha Ocidental acompanhando as eleições para o parlamento, e pôde presenciar a efetividade do modelo. para ele, seria possível adotar, no Brasil, uma versão adaptada à realidade local, mas é preciso “determinação” e “coragem” para isso.

O senador Jader Barbalho (PMDB-PA) também disse que vê com bons olhos a instituição de um sistema misto. Para ele, essa alternativa seria melhor do que a adoção da lista fechada como modelo único, alternativa que ele considera pouco democrática.

— A lista fechada vai permitir que os donos do partidos políticos, que aqueles que controlem os partidos, controlem a lista. E onde está a democracia representativa neste país?

Outros senadores também criticaram a exclusividade da lista fechada como método eleitoral. Kátia Abreu (PMDB-TO) afirmou que ela “tira poder do eleitor”, e Reguffe (sem partido-DF) completou dizendo que ela “transfere esse poder para as cúpulas partidárias”. Como as lideranças de cada legenda teriam a prerrogativa de organizar as listas, Roberto Requião (PMDB-PR) afirmou que o modelo levaria ao “predomínio da burocracia” nas estruturas partidárias. Já Ana Amélia (PP-RS) classificou a ideia como “um desserviço à liberdade do eleitor”.

— É o partido que está colocando um pacote pronto e acabado para o eleitor receber na hora da eleição. Ele pode ter surpresas de, naquela lista, estar alguém que ele jamais escolheria — observou.

A senadora Marta Suplicy (PMDB-SP) destacou que o sistema de lista pode ser positivo caso incorpore o pleito da maior inserção e participação de mulheres na política. Segundo ela, isso poderia ser alcançado ao se produzir a lista de forma a obrigatoriamente alternar nomes de candidatos homens e mulheres. Posteriormente, no entanto, a senadora se manifestou da tribuna e em suas rede sociais esclarecendo que neste momento a lista fechada não seria a opção adequada.

“Não vamos, com as estruturas dos partidos como estão, conseguir mais mulheres na política por esse meio. A garantia das cadeiras é mais interessante e caminha… Penso que falar em lista fechada, neste momento, não faz sentido. Poderíamos avaliar, se tivéssemos menos partidos e esses fossem ideologicamente mais claros”, disse Marta Suplicy.

Já o modelo do voto distrital recebeu elogios. Para Kátia Abreu, ele representa “o poder total” nas mãos dos eleitores. Reguffe argumentou que a existência de um representante exclusivo para cada distrito — e, portanto, para um conjunto de cidadãos — seria positivo para a representatividade.

— O voto distrital aproxima a política do cidadão. Vai exigir que o eleito tenha que ficar prestando contas do que está fazendo, porque é só um para ser fiscalizado.

O presidente do Senado defendeu a ideia da lista fechada como algo que pode “despersonalizar a política e fortalecer os partidos”, uma vez que, na sua análise, induz o eleitor a votar a partir de uma afinidade ideológica, e não de uma atração pessoal por um candidato específico. Para Eunício, ela também poderia acabar com o fenômeno dos “puxadores de votos” — candidatos midiáticos lançados pelos partidos apenas para inflar a votação da legenda.

Agência Senado 

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