Aproveitando episódios recentes envolvendo maus tratos contra animais, convém ressaltar alguns aspectos jurídicos envolvidos. O tema conta com previsão constitucional, nos termos do art. 225, § 1º, inciso VII:
“proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.
Com base neste preceito constitucional, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que a briga de galos representa prática que merece condenação, de modo que foi julgada inconstitucional lei fluminense que autorizava a realização de exposições e competições entre as aves das raças combatentes (ADIn 1.856-RJ, Pleno, rel. Min. Celso de Mello, DJe 13/10/2011. v.u.).
De acordo com o STF, com base em importante precedente da mesma Corte, “a promoção de briga de galos, além de caracterizar prática criminosa tipificada na legislação ambiental, configura conduta atentatória à Constituição da República, que veda a submissão de animais a ato de crueldade, cuja natureza perversa, à semelhança da ‘farra do boi’ (RE 153.531/SC), não permite sejam eles qualificados como inocente manifestação cultural, de caráter meramente folclórico”.
Consigne-se que a Corte Suprema ponderou sobre a extensão do mandamento constitucional, que abarca, no âmbito da diretriz de proteçâo a fauna, tanto os animais silvestres quanto os domésticos ou domesticados.
O próprio Superior Tribunal de Justiça evoca o ordenamento para afastar práticas cruéis contra animais, conforme julgado tomado no REsp n. 1.115.916-MG (2ª Turma, rel. Min. Humberto Martins, DJe 18/09/2009), envolvendo o trato de cães e gatos por centro de controle de zoonoses.
Nesta impugnação, convém destacar que a parte recorrente (Município de Belo Horizonte) evocou o art. 1.263 do Código Civil, valendo-se do raciocínio segundo o qual os animais recolhidos nas ruas são considerados coisas abandonadas, motivo pelo qual a administração poderia dar-lhes a destinação mais conveniente.
Tal argumento foi repelido pelo STJ, que ponderou o seguinte:
“Não há como se entender que seres, como cães e gatos, que possuem um sistema nervoso desenvolvido e que por isso sentem dor, que demonstram ter afeto, ou seja, que possuem vida biológica e psicológica, possam ser considerados como coisas, como objetos materiais desprovidos de sinais vitais”.
Assim,
“a condenação dos atos cruéis não possui origem na necessidade do equilíbrio ambiental, mas sim no reconhecimento de que os animais são dotados de uma estrutura orgânica que lhes permite sofrer e sentir dor. A rejeição a tais atos, aflora, na verdade, dos sentimentos de justiça, de compaixão, de piedade, que orientam o ser humano a repelir toda e qualquer forma de mal radical, estável e sem justificativa razoável”.
No âmbito infraconstitucional, dando-se aplicabilidade ao preceito constitucional, sobressai-se o quanto previsto na Lei n.º 9.605/98, que dispõe sobre as infrações ambientais de natureza penal e administrativa. No âmbito dos preceitos que tipificam os respectivos crimes, cite-se o artigo 32, que dispõe:
“Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos: Pena – detenção, de três meses a um ano, e multa”.
Ademais, nos termos do § 1º do mesmo dispositivo, incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. Como se pode notar, o ordenamento brasileiro já conta com um arsenal normativo suficiente para proteger os animais contra a crueldade, encontrando reflexos nos Tribunais, evidenciando um adequado tratamento da matéria referente à tutela da fauna.
Evidentemente, a questão não está imune a problemáticas e controvérsias, podendo-se citar o quanto disciplinado na Lei n.º 11.794/2008, que estabelece procedimentos para o uso científico de animais. Este tema será abordado em nosso próximo artigo, em complementação ao presente.(Juscadeia