A tipificação da ocorrência varia entre estupro de vulnerável, importunação sexual, aliciamento de criança para a prática de ato libidinoso, mas independe da ação, os números são assustadores. No Paraná, somente no primeiro trimestre de 2021 foram registradas 1072 ocorrências de
abuso sexual cujas vítimas são crianças e adolescentes. O que corresponde a quase 12 casos por dia.
Os dados fazem parte do Relatório de Análise Criminal do Centro de Análise, Planejamento e Estatística (CAPE), que é o órgão oficial que regulamenta a parte estatística das Polícias no estado.
O número apresentado é menor, se comparado ao mesmo período de 2020, quando foram registrados 1210 casos. De acordo com a delegada do Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes de Curitiba (Nucria), Ellen Victer, a redução não quer dizer que os casos estejam diminuindo, “mas que seja em fato da subnotificação. O crime continua ocorrendo, porém, os registros não estão sendo feitos. As pessoas não estão se encaminhando até a delegacia para registrar a ocorrência ou fazendo através de denúncia anomia pelo Disque 100 e Disque 181. Em razão disto a gente tem visto esse cenário que não demonstra a total realidade do que está acontecendo no estado do Paraná”, relata.
Para conscientizar ainda mais a população sobre a necessidade de se denunciar esses casos de violência sexual contra crianças e adolescentes e, principalmente, estarem atentas ao comportamento deles para saber identificar o que está ocorrendo, desde o ano de 2013 uma lei estadual instituiu a “Semana Estadual Todos Contra a Pedofilia”. A lei 17637/2013, apresentada na Assembleia Legislativa do Paraná pelo deputado Gilson se Souza (PSC) e o então deputado Paranhos, tem o objetivo de conscientizar a população, através de procedimentos informativos, educativos, palestras, audiências públicas, seminários, conferências ou congressos, a fim de que a sociedade discuta iniciativas de combate ao crime de pedofilia. A Semana é compreendida no período de 13 a 18 de maio.
“Importante essa campanha para que a sociedade abra os olhos para essa realidade, crianças vítimas de pedofilia, abusadas e, normalmente, isso acontece dentro do próprio ambiente familiar”, alertou o deputado Gilson de Souza. “A proposta dessa campanha é a conscientização sobre essa realidade. Fazer também com que os pais estejam atentos a isso, que pode acontecer na sua própria casa, porque o pedófilo é uma pessoa aparentemente normal e que ganha a confiança da criança e não aparenta perigo para elas”, disse.
O deputado relatou ainda que a campanha ajuda a levantar o debate sobre o tema e, principalmente, alertar para que as pessoas denunciem esses crimes. “Objetivo é que as pessoas denunciem. Que elas sejam a voz das crianças que não tem voz”.
A delegada do Nucria também considera importante campanhas como essa, que reforçam a necessidade de se agir preventivamente. “A gente sempre repete que a delegacia atua na parte repressiva, depois que o crime acontece. Nada melhor do que a gente atuar, a sociedade como um todo, de modo preventivo. Toda e qualquer campanha é muito bem-vinda para orientar e prevenir que os crimes aconteçam”.
Outra lei estadual, a 18.798/2016 apresentada na Assembleia pelo deputado Ricardo Arruda (PSL), também reforça o alerta contra a pedofilia. A legislação determina que durante o mês de maio sejam exibidos, nas salas de cinema do estado, um filme publicitário de advertência contra a pedofilia e a prática do abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes. Esses filmes deverão mencionar o serviço Disque 181, que é disponibilizado também para o recebimento de denúncias de transgressões aos direitos da criança e do adolescente.
Identificação – A delegada Ellen Victer comentou sobre mecanismos que os responsáveis pelas crianças e adolescentes possam identificar quem está passando por essa situação. Segundo ela, que atua no Nucria há mais de dois anos, se verificou como o perfil das vítimas pode chegar aos extremos. “Se uma criança sempre foi muito tímida, introvertida, mais afastada, que não é de brincar, interagir, essa criança começa a se expor muito mais. O contrário também é verdadeiro. As vezes a criança é extrovertida, brincalhona e fica isolada, não quer a presença do suposto agressor”, explicou. “Verifica-se muitas vezes a diminuição no rendimento escolar. Há problemas que você consegue verificar fisicamente por conta de toda a situação que abala o psicológico e isso afeta o estado físico com problemas de estômago, intestino, problema na pele. Tudo isso acontece e conseguimos observar isso na criança, que passa a ser mais agressiva e violenta. Uma mudança de comportamento já sinaliza uma situação que possa estar ocorrendo”, completou.
Para Hellen, o diálogo é o melhor remédio e a forma mais sensata de verificar se está ocorrendo um crime contra uma criança ou adolescente. “Tem que ter um certo cuidado quando se trata de adolescente. Se você proibir, restringir pode causar distanciamento e falta de confiança do adolescente com o representante legal (pai, mãe, avós). É uma questão de diálogo, você mostrar que está tendo atitudes em prol da proteção do adolescente”, afirmou.
Ela alerta ainda que com as crianças o direcionamento tem que ser mais rigoroso. “Eles não têm muita noção por trás da tela do computador, do celular. Uma ingerência maior, mas sempre conversando e orientando na capacidade de entendimento de cada um”.
Agressor – O alerta também vale não só para o virtual, com o uso de computadores e redes sociais. Ele vale também para dentro de casa e nas proximidades. A delegada lembra que muitas vezes, na vida real, o agressor pode ser uma pessoa próxima da vítima, da família da vítima. “A gente sabe que na maioria das vezes o agressor, o abusador é uma pessoa próxima que ganhou a confiança dos familiares, da própria vítima. Nesse sentido tem que observar o comportamento do filho, neto, sobrinho e acreditar sempre no que ele falar”, alertou.
Ela citou como exemplo o caso do menino Henry, do Rio de Janeiro, que morreu em 8 de março. A Polícia carioca indiciou o padrasto e a mãe da criança pelos crimes de homicídio duplamente qualificado e tortura.
“Ele sempre falava, alertava de alguma forma o pai dele, e o pai nunca ia imaginar que estava acontecendo uma situação dessa e meio que não dava ouvido ao filho”, citou. “Se o filho vem relatar uma situação aquele pai, aquela mãe, por mais esdrúxula que seja a situação, tem que acreditar e tentar verificar o que a criança está relatando. Muitas vezes a gente pode não estar diante de um crime, mas a criança pode estar em risco”.
Em casos de crimes sexuais que envolvem a internet, ela cita que o agressor não tem um perfil específico, mas geralmente é homem, com idade entre 50 e 60 anos, que são muito ligados ao computador, são mais introspectivos e que gostam de ficar mais no quarto, sala e sempre mexendo no computador. “Se for estudar na psicologia eles diferenciam vários tipos de agressor, de abusador, mas basicamente é isso. São homens na faixa etária de 50, 60 anos de idade”.
Denúncia – A delegada do Núcleo de Proteção à Criança e ao Adolescente Vítimas de Crimes de Curitiba (Nucria), Ellen Victer, finaliza lembrando os canais de denúncia, que não necessariamente tem que ser uma delegacia especializada em crimes contra a criança e adolescente. “Pode ir presencialmente em qualquer delegacia, pode ser a mais próxima, e registrar um Boletim de Ocorrência. Também tem a possibilidade de fazer uma denúncia anônima por meio do disque 100 e aqui no Paraná a gente tem o Disque 181 que também recebe denúncias”. Ela cita ainda que o Nucria em Curitiba tem um número de telefone de plantão para orientar as pessoas. O telefone é: 41-3270-3370. (Alep)