Estimativa é que o distúrbio atinge uma em cada 30 mil pessoas

Um grupo de pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e da Universidade da Califórnia San Diego, nos Estados Unidos, estudam atualmente uma mutação no gene TCF4, que causa a Síndrome Pitt-Hopkins.

A Síndrome Pitt-Hopkins é uma desordem de neurodesenvolvimento que tem características de Transtorno do Espectro Autista (TEA). Ela tem causa genética e é rara, provocando em seu paciente déficit cognitivo, atraso neuropsicomotor, ausência de fala, crises convulsivas e distúrbios respiratórios. A estimativa é que a síndrome afete uma em cada 30 mil pessoas.

“Todos os pacientes com essa síndrome tem mutação nesse gene. Esse gene também está associado com outras doenças como o transtorno bipolar e a esquizofrenia. É importante lembrar que uma doença genética não é a mesma coisa que dizer que a doença é hereditária. Uma doença hereditária é quando ela é herdada do pai e da mãe. Nesse caso, não é. Os pais não tem mutação do gene, não carregam esse problema genético”, explicou Fabio Papes, professor do Instituto de Biologia da Unicamp e um dos coordenadores do estudo.

Conhecendo o mecanismo que causa essa condição, os pesquisadores passaram a estudar esse gene TCF4 em laboratório. Para esse estudo eles não utilizaram animais, mas células humanas. “O cérebro de um animal de laboratório não se desenvolve da mesma forma que o cérebro de uma criança portadora dessa síndrome. Isso nos levou então a estudar as células dos próprios pacientes. Essas células foram coletadas, cultivadas em laboratório e transformadas em células-tronco para que então a gente pudesse obter os chamados organóides cerebrais. Organóides são uma mini-versão do cérebro, mas no tubo de ensaio, dentro do laboratório”, explicou.


Fabio Papes, professor do Instituto de Biologia da Unicamp – Fulvia DIPillo/Direitos reservados

Durante essa fase de estudo, Papes e os demais pesquisadores buscaram criar e testar uma terapia gênica que pudesse reverter os efeitos provocados pela mutação no gene TCF4. E, no laboratório, os testes foram promissores.

“A terapia gênica pode ser feita de várias formas. Você pode simplesmente substituir o gene problemático tirando aquele gene por um que funciona de forma apropriada. No caso dessa doença, isso não é possível porque o gene é muito grande. No nosso trabalho, abordamos a terapia gênica de outras duas formas. Em uma delas, introduzimos um terceiro gene dentro das células do indivíduo doente. Todas as nossas células possuem duas cópias de cada gene, inclusive desse gene TF4: uma cópia que herdamos do pai e outra que herdamos da mãe. Nos pacientes com essa síndrome, uma das cópias não funciona direito. Para compensar essa cópia que não funciona muito bem nós, pesquisadores, introduzimos nas células uma terceira cópia, normal, funcional, para compensar pelo gene que dentro das células não funciona muito bem”, observou.

Papes disse que os cientistas também testaram uma outra estratégia em laboratório para tentar reverter os efeitos da mutação: eles utilizaram a técnica chamada CRISPR-Cas9, cujas criadoras ganharam o Prêmio Nobel de Química em 2020. “Nós, pesquisadores, fizemos com que a cópia boa que está presente nas células, a que funciona normalmente, tenha mais atividade”, disse.

Para explicar o que aconteceu nessa estratégia, ele comparou os dois genes com duas velas. “É como se uma pessoa tivesse, em uma célula qualquer, duas velas acesas lá dentro. No paciente com a síndrome, existe só uma velinha acesa. O que fizemos foi fazer com que essa vela, que estava acesa, queimasse duas vezes mais rápido. A atividade do gene passa a ser maior do que o gene normal. Então ele compensaria a falta de atividade do gene que é defeituoso dentro da célula do paciente”, exemplificou.

Ao final dos experimentos, as duas técnicas utilizadas pelos cientistas (a de introdução de um terceiro gene e a do CRISPR) deram resultados semelhantes. “Tudo igualzinho, com o mesmo tipo de resultado. E agora os testes clínicos é que vão determinar qual das duas abordagens será efetiva para ser empregada em pessoas”.

Testes clínicos

Apesar dos resultados promissores em laboratório, a pesquisa ainda precisa passar por novos testes, os chamados testes clínicos, quando passará a ser aplicada em voluntários humanos. Essa etapa, segundo Papes, pode demorar ainda entre cinco ou dez anos para começar a dar resultados. Uma empresa dos Estados Unidos, a Ultragenics, já licenciou o projeto e ficará responsável por essa etapa de estudos, que ainda não tem data para serem iniciados. A previsão é que a fase clínica seja aplicada em diversos países, entre eles, o Brasil.

Em entrevista à Agência Brasil e à Rádio Nacional, o pesquisador disse que os resultados devem ajudar também no tratamento de outros transtornos tais como a esquizofrenia, o estresse pós-traumático e o transtorno bipolar. “Pacientes dessas outras enfermidades possuem mutações no mesmo gene e, eventualmente, poderão ser beneficiados da mesma terapia”, falou.

Terapia gênica no Brasil

A terapia gênica começou a ser aplicada no Brasil em fevereiro deste ano, contra a leucemia, quando foi aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Essa terapia pode custar até 475 mil dólares. No câmbio atual, isso equivaleria a mais de R$ 2 milhões. Mas, segundo Papes, até que o estudo esteja concluído, o preço das terapias gênicas devem custar bem menos. Ele espera também que esse tipo de tratamento possa ser utilizado no Sistema Único de Saúde (SUS).

O estudo foi publicado na revista Nature Communications e é apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Matéria alterada no dia 9 de maio para ajuste no título.

Edição: Valéria Aguiar

Fonte: Agência Brasil

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